quinta-feira, 12 de setembro de 2013

calçada portuguesa

Lisboa, 21 de junho de 2007

encosta-se sempre com uma disciplina de expediente ao mesmo lampião. olha de lado, sem encarar, e baixa a cara, para a voltar a erguer de encontro ao edifício da frente. terá crianças para alimentar? tenho um amigo que me diz ser intuível quando são reféns da situação ou quando nem tanto. eu não consigo, nem sequer tento apurar nada. o certo é que aquela presença não me deixa indiferente. não a encaro fixamente, por achar que a vou constranger, mas é inevitável perceber-lhe alguns movimentos rápidos, ao passar. há uns dias, foi precisamente por baixar os olhos que detectei na sombra do passeio que virou a cabeça. questionei-me sobre o que pensou, se realmente olhou para mim, não para mim, concreta e individualmente concebida, mas para a imagem de outra mulher que desce o seu dia de trabalho por aquela rua, rumo a casa. quem por ali passa, ao fim da tarde, encontra-a com uma regularidade de porte, local e hora geometricamente conjugados, tal como a precisão dos cubos brancos de calçada portuguesa. infalível. a rua vai sendo calcetada pelos passos dos que voltam do trabalho ou da escola; aqueles cujo corpo foi veículo, interface de afeto, talvez, mas não superfície de aluguer. é possível que por essa hora ela tenha apenas acabado de chegar.

Sem comentários:

Enviar um comentário